Rio+20 o longo caminho desde
Woodstock Foto Marcello Casal Jr-ABR
Dando continuidade à série sobre a história
do movimento ambientalista, abordamos finalmente, o período mais
recente desse movimento.
Mais precisamente desde o início dos
anos 70, marcados pela explosão hippy e as transformações operadas
no catolicismo em virtude da aplicação do Concílio Vaticano
II.
Julgamos que poucas visões de síntese desse período
histórico tão denso e decisivo do movimento ambientalista foram tão
ricas em documentação quanto o trabalho do jornalista Robert James
Bidinotto, “Ambientalismo, o inimigo da liberdade nos anos
90”.
Bidinotto adquiriu nomeada escrevendo para o
“Reader’são Digest” sobre questões ligadas à justiça
criminal, ao ambientalismop e à filosofia. No artigo que
reproduzimos a continuação ele reúne felizmente exigência crítica
e uma linguagem ágil mas respeitosa que torna accesível o
intrincado assunto.
Tentamos tirar excertos do longo trabalho
de Bidinotto. Mas, no fim julgamos mais prudente conservá-lo quase
na integridade e dividí-lo em três post sucessivos. A riqueza de
dados justifica a opção.
Por ocasião do primeiro “Dia da
Terra”, em 1970, alguns jovens, intimidados pelo ritmo e pela
complexidade da vida moderna, procuraram uma solução: revoltar-se
ou retirar-se. Destruir “o sistema” ou retirar-se para as alturas
das Montanhas Rochosas do Colorado.
Filhos de Rousseau, eles
pregavam a bondade inerente à natureza intocada, e à emoção
indisciplinada; a influência corruptora da razão, da cultura e da
civilização; a igualdade econômica e a participação democrática
em pequena escala; a infalibilidade mística da vontade coletiva e o
sacrifício do indivíduo ao grupo.
Unia-os o ódio contra o
inimigo comum: o americano moderno e a sociedade capitalista.
Woodstock, 1969, estado de Nova
York
Enquanto a maioria de seus contemporâneos
moderados se tornavam arquitetos, contadores e vendedores de
automóveis, um pequeno conjunto de líderes — o resíduo
Rousseauneano da geração Woodstock — nunca superou seu
fundamental alheamento e hostilidade cultural.
Nunca tiveram o
menor interesse pelos valores básicos aceitos pelo comum das
pessoas. Durante vinte anos, permaneceram em efervescência nas
bordas da sociedade. Agora, como abutres sentindo um animal ferido,
apertam o cerco em torno de uma cultura vulnerável.
Este
pequeno grupo de fanáticos estabelece as premissas morais do
movimento ambientalista de hoje.
Ao contrário das opiniões
de muitas pessoas decentes que se qualificam como ambientalistas, ou
mesmo a maioria daqueles que entram em grupos ambientalistas, o
quadro de liderança não está primariamente interessado em ar puro,
terras, água, recursos abundantes, ou em resolver controvertidas
reivindicações sobre seu uso.
Eles têm um programa bem
diferente.
Antes de continuar, devo esclarecer um ponto muito
importante. Estou adotando enfaticamente uma postura de não
contestação ante o fato de que as preocupações com o
meio-ambiente sejam triviais ou errôneas.
A poluição, o
uso exagerado de vários recursos naturais, o lixo tóxico, e outros
tópicos relacionados com a preservação do meio-ambiente são
legítimos.
Entretanto esses problemas aparecem, não devido
a um fracasso do sistema de mercado livre, mas do fracasso em
aplicar, em primeiro lugar, os princípios da economia de mercado à
administração das fontes de recursos naturais.
Rio+20: cultos esotéricos em
evento paralelo
Eles veem a cruzada ambientalista, não
como uma maneira de reformar a sociedade moderna, mas de escapar dela
e de obliterá-la. Estes pagãos e Druidas contemporâneos marcham
sob a bandeira dos “Estilos de Vida Verdes” e do
“biocentrismo”.
Um ambientalista itinerante dirige
círculos de estudos nos quais os participantes são incentivados a
rememorarem seu alegado processo de evolução, rolando pelo chão e
imaginando como foram suas vidas quando eram folhas mortas, lesmas ou
musgo.
Outros Ecologistas Radicais preferem “ações
diretas” contra alvos corporativos ou governamentais, nas quais
incluem desde atos teatrais de desobediência civil, até declarados
atos de terror, sabotagem e violência.
Dirigem grupos como
Greenpeace [Paz Verde], Earth First! [Terra primeiro!],
Sea Shepherds [“Pastores do Mar”], Rainforest Action
Network [Rede de ação pela floresta tropical], People for
the Ethical Treatment of Animals [O povo pelo tratamento ético
dos animais], e Animal Liberation Front [“Frente para a
Libertação dos Animais”].
Os Verdes, por outro lado, são
os herdeiros políticos da Nova Esquerda. Desfilando sob as bandeiras
da “Política Verde” ou da “Ecologia Social”, professam ao
menos uma preocupação aparente pelos valores humanos e pela cultura
moderna.
Mas sua meta é uma sociedade socialista e
redistributiva, que eles afirmam ser a verdadeira serva da natureza e
a única esperança para a sociedade.
Os mais cordatos dentre
eles aderem aos vários partidos e grupos Verdes. Os mais pragmáticos
e sofisticados, juntam-se a grupos mais respeitáveis, com certa
fachada, como o Natural Resources Defense Council [Conselho
para a Defesa dos recursos naturais], o Environment Defense Fund
[Fundo para a defesa do meio-ambiente], o Sierra Club [Clube
Sierra], o Wilderness Society [Sociedade pela Vida Selvagem],
o Worldwatch Institute [Instituto de Vigilância do mundo], a
União dos Cientistas Preocupados, e até mesmo a Agência de
Proteção do Meio-ambiente dos Estados Unidos e outras agências
reguladores co-irmãs.
Protesto de Greenpeace no Mexico
Apesar de todos os seus atritos, ambos
campos se complementam mutuamente.
Os Ecologistas Radicais
dão o tônus moral e a direção espiritual: eles inspiram,
radicalizam e recrutam. Por outro lado, os Verdes transformam esses
elementos “crus” em poder político: propostas, força de
trabalho, candidatos e, finalmente, em leis.
Ambas facções —
e em particular os grupos de contra-cultura de “ação direta” —
têm crescido rapidamente.
Os mais radicais, entretanto,
têm-se expandido muito mais que os antigos grupos da grande corrente
liberal, como Nature Conservancy [“Conservação da
Natureza”], a National Wildlife Society [Sociedade Nacional
pela Vida Selvagem], a National Audubon Society [Sociedade
Nacional Audubon] a Humane Society [Sociedade Humana] e a
National Wildlife Federation [Federação Nacional da Vida
Selvagem].
Estes últimos têm-se esforçado por se manter a
passo com os primeiros, radicalizando-se cada vez mais devido às
competitivas solicitações do mercado ambientalista, e à própria
lógica da ética ambientalista.
Graças
à atuação de órgãos como a Unesco e a ONU, logo o controle
populacional será consenso entre milhões de pessoas, que irão
trabalhar, de forma “ecologicamente correta”, para sua própria
destruição.
Em
1968, Paul R. Ehrlich deixou militantes de esquerda e direita
horrorizados com o livro Population
Bomb.
Os de esquerda o acusavam de nazismo por querer matar metade da
população pobre e os de direita por violar os direitos individuais
e desvalorizar a vida humana.
Mais
tarde, em 1977, Ehrlich publicou junto de outros dois autores, o
livro Ecosciencie:
population, ressources, environment,
que trazia a mesma idéia de controle populacional mas com um maior
aporte de dados científicos e apoio de cientistas engajados na causa
ecológica.
A
partir daí a a defesa do meio ambiente ganhou um impulso a mais e já
unia-se com os militantes do controle populacional que aliciavam as
Nações Unidas para incluir a meta na sua agenda de ações
imediatas.
É bom lembrar que a origem do controle de
natalidade é anterior e está ligada à conquista do direito ao
aborto por Margareth Sanger (1879-1966) e, portanto, às idéias
eugenistas e evolucionistas nas quais os nascimentos de pessoas
consideradas mais aptas era preferível optando-se pelo aborto e
esterilização em massa em populações pobres e consideradas
geneticamente inferiores. Após a Segunda Guerra Mundial, porém,
essa retórica eugenista passou a ser mal vista por motivos óbvios.
Mas
no barco da ecologia, nas décadas seguintes, o controle populacional
pôde finalmente voltar ao debate público, agora com a desculpa do
fim dos recursos naturais, outra teoria nunca satisfatoriamente
comprovada pela comunidade científica, mas que traz consigo a
cativante proposta da salvação da humanidade. O fato real é que em
nome dessa pretensa tese da escassez futura, muitas populações
estão sendo privadas hoje desses recursos e obrigadas a integrar-se
a agendas que demandam consideráveis restrições econômicas.
Países da África são ameaçados de terem suas ajudas
internacionais cortadas se não aderirem a programas de esterilização
e descriminalização do aborto.
O
livro Ecoscience:
population, ressorces, enviroment,
é um verdadeiro clássico do ambientalismo. Nele é sugerido
explicitamente que a melhor solução para a escassez de recursos é
a diminuição da taxa de crescimento da população. Como primeira e
mais relevante medida, os autores sugerem a limitação da taxa de
natalidade, o que deve ser implementado por meio de campanhas de
planejamento familiar, legalização do aborto e estímulo de uso de
contraceptivos, ou seja, uma conscientização para o voluntarismo em
prol dessa causa. A segunda alternativa, caso a população não opte
voluntariamente pela diminuição da taxa de natalidade, os autores
explicam:
“Presumivelmente,
a maioria das pessoas concorda que o único meio de atingir estes
objetivos em um nível mundial é através da taxa de natalidade. A
alternativa a isso é permitir o aumento da taxa de mortalidade, o
que naturalmente vai acontecer caso a humanidade não optar
racionalmente por reduzir a sua taxa de natalidade a tempo”1.
Sabe-se,
entretanto, que programas de esterilização em massa já foram
desmascarados em vários países, todos com a participação de
órgãos das Nações Unidas como Unicef, Unesco, etc, cooperados com
instituições locais ligadas a governos e organizações
não-governamentais. Estes programas ficaram de fora dos noticiários
por serem considerados “teorias da conspiração” ou teses
paranóicas que careciam de evidências. De fato alguns destes casos
não passaram de suspeitas devido à inacessibilidade dos dados e
recursos utilizados pelas instituições em jogo. Outros casos foram
amplamente divulgados e desmascarados, mas a imprensa internacional
isolou-os dentro de limites das imprensas locais, não deixando que
fossem conhecidos do restante do mundo.
Graças
à participação de intelectuais como Ehrlich dentro das Nações
Unidas, principalmente em instituições ligadas à educação e
cultura como a Unesco, nossos jovens e crianças estão sendo
educados com o pressuposto de que a humanidade é a causadora dos
grandes males terrestres. O controle populacional passa a ser, logo
logo, o consenso entre a população que irá trabalhar para a sua
própria auto-destruição.
(1)
Ecoscience: Population, Resources, Environment. Contributors:
Paul R. Ehrlich - author, Anne H. Ehrlich - author, John P. Holdren -
author. Publisher: W. H. Freeman. Place of Publication: San
Francisco. Publication Year: 1977. Page Number: 737
English: Logo of the U.S. Food and Drug Administration (2006) (Photo credit: Wikipedia)
DO CONSÓRCIO INTERNACIONAL DE JORNALISTAS
INVESTIGATIVOS
Em 24 de fevereiro, as
autoridades ucranianas descobriram ossos e outros tecidos humanos
amontoados em caixas refrigeradas num micro-ônibus branco encardido.
Os investigadores
ficaram ainda mais intrigados quando descobriram, entre as partes de
corpos, envelopes cheios de dinheiro e relatórios de autópsia
escritos em inglês.
O que a batida
apreendeu não era obra de um serial killer, mas parte de um
escoadouro internacional de ingredientes para produtos médicos e
odontológicos rotineiramente implantados em pessoas ao redor do
mundo.
Os documentos
apreendidos sugeriam que os restos de ucranianos mortos eram
destinados a uma fábrica na Alemanha pertencente à subsidiária de
uma empresa norte-americana de produtos médicos, com sede na Flórida
--a RTI Biologics.
A RTI faz parte de um
negócio crescente de empresas que lucram transformando restos
mortais em tudo, de implantes dentários a material para amenizar
rugas.
À medida que a
indústria cresceu, suas práticas despertaram preocupações sobre
como os tecidos são obtidos e com que grau de detalhe as famílias
enlutadas e os pacientes transplantados são informados sobre as
realidades e os riscos do negócio.
Só nos EUA, o maior
mercado e o maior fornecedor, estima-se que 2 milhões de produtos
derivados de tecidos humanos sejam vendidos a cada ano, um número
que duplicou na última década.
Trata-se de uma
indústria que promove tratamentos e produtos que literalmente
permitem que cegos enxerguem (por meio do transplante de córnea) e
os portadores de deficiência física caminhem (reciclando tendões e
ligamentos para uso em cirurgias de joelho). É também uma indústria
alimentada por poderosos apetites por lucros e novos corpos humanos.
Na Ucrânia, por
exemplo, o serviço de segurança acredita que corpos que passaram
por um necrotério no bairro Mykolaiv, uma região de estaleiros
localizada próximo ao mar Negro, podem ter alimentado o negócio,
deixando para trás o que os investigadores descreveram como
potencialmente dezenas de "fantoches humanos" --cadáveres
despojados de suas partes reutilizáveis.
Representantes do
setor argumentam que tais supostos abusos são raros, e que a
indústria opera com segurança e responsabilidade.
A RTI não respondeu a
repetidos pedidos de comentário ou a uma lista detalhada de
perguntas encaminhada um mês antes desta publicação.
Em declarações
públicas, a empresa diz que "honra a doação de tecidos
tratando o material com respeito, encontrando novas maneiras de usar
os tecidos para ajudar os pacientes e ajudando o maior número
possível de pacientes a cada doação".
"NOSSA
DESGRAÇA"
Apesar de seu
crescimento, o negócio dos tecidos humanos escapou, em grande
medida, ao debate público. Isso ocorre em parte graças à
fiscalização fraca --e ao apelo popular da ideia de permitir que os
mortos ajudem os vivos a sobreviver e prosperar.
Numa investigação de
oito meses em 11 países, o Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos (ICIJ) descobriu, no entanto, que as boas intenções
da indústria de tecidos humanos às vezes entram em conflito com a
pressa de ganhar dinheiro com os mortos.
Há salvaguardas
inadequadas para garantir que todo o tecido utilizado pela indústria
seja obtido legalmente e eticamente, segundo o ICIJ descobriu em
centenas de entrevistas e milhares de páginas de documentos públicos
obtidos por meio das leis de acesso a informações públicas em seis
países.
Apesar das
preocupações dos médicos de que um negócio mal regulado possa
permitir que tecidos doentes transmitam a pacientes transplantados
doenças como hepatite, HIV e outras, as autoridades pouco fazem para
reduzir os riscos.
Em contraste com os
sistemas bem monitorados de rastreamento de órgãos intactos, como
coração e pulmões, as autoridades dos EUA e de muitos outros
países não têm como saber com precisão de onde vêm e para onde
vão a pele reciclada e outros tecidos.
Ao mesmo tempo, dizem
os críticos, o sistema de doação de tecidos pode aprofundar a dor
de famílias enlutadas, mantendo-as no escuro ou enganando-as sobre o
que vai acontecer com os corpos de seus entes queridos.
Os parentes, como os
pais de Sergei Malish, um ucraniano de 19 anos que cometeu suicídio
em 2008, acabam precisando lidar com uma realidade sombria.
No funeral de Sergei,
seus pais descobriram cortes profundos em seus pulsos. No entanto,
eles sabiam que ele havia se enforcado.
Mais tarde,
descobriram que partes de seu corpo haviam sido recicladas e vendidas
como "material anatômico".
"Eles ganham
dinheiro com a nossa desgraça", disse o pai de Sergei.
SILÊNCIO
CONSTRANGEDOR
Durante a jornada de
transformação pela qual passa o tecido --de parte de um cadáver a
um insumo médico--, alguns pacientes nem sequer sabem que estão
recebendo partes humanas.
Os médicos nem sempre
informam que os produtos utilizados em reconstruções de mama,
implantes de pênis e outros procedimentos foram extraídos de
cadáveres.
Tampouco as
autoridades estão sempre cientes de onde vêm ou para onde vão os
tecidos.
A falta de
acompanhamento adequado significa que, quando os problemas chegam a
ser descobertos, alguns dos produtos feitos com partes de cadáveres
não podem ser localizados. Quando os Centros de Controle e Prevenção
de Doenças (CDC) dos EUA ajudam no recall de produtos feitos a
partir de tecidos potencialmente contaminados, os médicos de
transplante dificilmente ajudam muito.
"Muitas vezes há
um silêncio constrangedor. Eles dizem: 'Não sabemos onde está",
disse o Dr. Matthew Kuehnert, diretor do departamento de sangue e
biologia do CDC.
"Os cereais [do
café da manhã] têm códigos de barras, mas os tecidos humanos não
têm", disse Kuehnert.
"Todo paciente que tem tecido
implantado deveria saber. É tão óbvio. Devia ser um direito básico
do paciente, mas não é. Isso é ridículo."
Desde 2002, a Food and
Drug Administration dos EUA documentou ao menos 1.352 infecções no
país transmitidas por transplantes de tecidos humanos, de acordo com
uma análise feita pelo ICIJ em dados do FDA. Essas infecções foram
ligadas às mortes de 40 pessoas, mostram os dados.
Um dos pontos fracos
do sistema de monitoramento de tecido é o sigilo e a complexidade
que vêm com o comércio internacional de partes do corpo.
Os eslovacos exportam
partes de cadáveres para os alemães; os alemães exportam produtos
acabados para a Coreia do Sul e para os Estados Unidos; os
sul-coreanos, para o México; e os EUA, para mais de 30 países.
Os distribuidores de
produtos manufaturados estão em União Europeia, China, Canadá,
Tailândia, Índia, África do Sul, Brasil, Austrália e Nova
Zelândia. Alguns são subsidiários de corporações médicas
multinacionais.
A natureza
internacional da indústria, dizem os críticos, torna mais fácil
levar os produtos de um lugar para outro sem muito escrutínio.
"Se eu comprar
algo de Ruanda, depois colocar um rótulo belga, posso importar para
os EUA. Depois de entrar no sistema oficial, todo mundo confia",
disse o Dr. Martin Zizi, professor de neurofisiologia da Universidade
Livre de Bruxelas.
Quando um produto
chega à União Europeia, pode ser enviado para os EUA sem que sejam
feitas muitas perguntas.
"Eles presumem
que você tenha feito o controle de qualidade", disse Zizi.
"Somos mais cuidadosos com frutas e legumes do que com partes do
corpo."
NEGÓCIO LUCRATIVO
No mercado de tecidos
humanos, as oportunidades de lucros são imensos. Um único corpo
livre de doenças pode gerar fluxos de caixa de US$ 80 mil a US$ 200
mil para os vários envolvidos, com e sem fins lucrativos, na
recuperação de tecidos ao usá-los para fabricar produtos médicos
e odontológicos, de acordo com documentos e os especialistas
entrevistados.
É ilegal nos EUA,
como na maioria dos outros países, comprar ou vender tecidos
humanos. No entanto, é permitido que se paguem taxas de serviço que
ostensivamente cobrem os custos de encontrar, armazenar e processar
tecidos humanos.
Quase todo mundo leva
alguma parte.
Olheiros de corpos nos
EUA podem ganhar até US$ 10 mil para cada cadáver que garantam em
seus contatos em hospitais e necrotérios. Funerárias podem atuar
como intermediárias para identificar potenciais doadores. Os
hospitais públicos podem ser pagos pelo uso de salas de recuperação
de tecidos.
E as multinacionais de
produtos médicos como a RTI? Ganham bem, também. No ano passado, a
RTI lucrou US$ 11,6 milhões antes dos impostos sobre receita de US$
169 milhões.
Phillip Guyett, que
administrava uma empresa de recuperação de tecidos em vários
Estados dos EUA antes de ser condenado por falsificação de
atestados de óbito, afirmou que os executivos de empresas a quem
vendia tecidos o convidavam para refeições de US$ 400 e estadias em
hotéis de luxo.
Eles prometeram: "Podemos torná-lo um homem
rico". Chegou o momento, disse ele, que começou a olhar para
cadáveres e ver "cifrões pendurados em suas partes".
Guyett diz que nunca trabalhou diretamente para a RTI.
SALMÃO DEFUMADO
A pele humana tem cor
de salmão defumado quando é profissionalmente removida de um
cadáver, em formas retangulares. Uma boa produtividade é de cerca
de 0,6 metro quadrado.
Depois de ser esmagada
para remover a umidade, parte da pele está destinada a proteger
vítimas de queimaduras de infecções bacterianas ou, após ser mais
uma vez refinada, pode ser usada em reconstruções da mama após o
câncer.
O uso de tecidos
humanos "realmente revolucionou o que se pode fazer em cirurgias
de reconstrução de mama", explica o Dr. Ron Israeli, cirurgião
plástico em Great Neck, Nova York.
"Desde que
começamos a usá-lo, por volta de 2005, tornou-se uma técnica
padrão."
Um número
significativo de tecidos recuperados é transformado em produtos
cujos nomes comerciais dão poucas pistas sobre a sua verdadeira
origem.
São usados nos ramos
odontológicos e de beleza --para tudo, de preencher os lábios a
suavizar as rugas.
Ossos --recolhidos dos
mortos e substituídos por canos de PVC para o enterro-- são
esculpidos como pedaços de madeira em parafusos e buchas para
dezenas de aplicações dentárias e ortopédicas.
Ou o osso é triturado
e misturado com produtos químicos para formar fortes colas
cirúrgicas anunciadas como sendo melhores do que a variedade
artificial.
"No nível mais
básico, o que estamos fazendo ao corpo é uma coisa muito física
--e imagino que alguns diriam muito grotesca", disse Chris
Truitt, um funcionário da ex-RTI. "Retiramos os ossos do braço.
Retiramos os ossos da perna. Abrimos o peito para puxar o coração e
extrair as válvulas. Puxamos as veias para fora da pele."
Tendões inteiros,
limpos de forma segura para transplante, são usados para devolver
atletas lesionados ao campo.
Há também um
comércio de córneas, dentro dos países e internacionalmente.
Devido à proibição
de vender o próprio tecido, as empresas norte-americanas que deram
início ao negócio adotaram os mesmos métodos do ramo de coleta de
sangue.
As empresas com fins
lucrativos criam subsidiárias sem fins lucrativos para coletar o
tecido --da mesma maneira como a Cruz Vermelha recolhe sangue, que é
posteriormente transformado em produtos por entidades comerciais.
Ninguém cobra pelo
tecido em si, que em circunstâncias normais é livremente doado
pelos mortos (por meio de cadastros de doadores) ou por suas
famílias.
Em vez disso, os
bancos de tecidos e outras organizações envolvidas no processo
recebem mal definidos "pagamentos razoáveis" para
compensá-las pela obtenção e o manuseio do tecido.
"A linguagem
comum é se referir aos contratos de doadores como 'colheita' e às
transferências subsequentes por meio do banco de ossos como 'compra'
e 'venda'", escreveu Klaus Hoyer, do Departamento de Saúde
Pública da Universidade de Copenhague, que ouviu representantes do
setor, doadores e receptores para um artigo publicado na revista
acadêmica "BioSocieties".
"As expressões
foram utilizadas livremente em entrevistas, mas nunca ouvi essa
terminologia ser usada na frente dos pacientes."
Um estudo financiado
pelo governo dos EUA com famílias de doadores de tecidos no país,
publicado em 2010, indica que muitos podem não entender o papel de
empresas com fins lucrativos no sistema de doação de tecidos.
Das famílias que
participaram do estudo, 73% disseram que "não é aceitável que
o tecido doado seja comprado ou vendido, para qualquer finalidade".
POUCA PROTEÇÃO
Existe um risco
inerente ao transplante de tecidos humanos. Entre outras coisas, ele
causa risco de infecções bacterianas e de propagação de HIV,
hepatite C e raiva em receptores de tecidos, de acordo com o CDC.
A coleta moderna de
sangue e órgãos usa códigos de barras e é fortemente
regulamentada. Houve reformas recentes, incitadas por desastres de
alto nível causados pela má triagem de
doadores. Os produtos feitos com tecidos da pele e outros, no
entanto, têm poucas leis específicas próprias.
Nos EUA, a agência
que regula o setor é a Food and Drug Administration, a mesma agência
encarregada de proteger o abastecimento de alimentos, medicamentos e
cosméticos no país.
A FDA, que recusou
vários pedidos de entrevistas gravadas, não tem autoridade sobre os
serviços de saúde que implantam o material. E a agência não
rastreia especificamente infecções.
Ela acompanha bancos
de tecidos registrados e às vezes abre uma inspeção. Ela também
tem o poder de fechá-los.
A FDA depende em
grande medida das normas definidas por um órgão da indústria, a
Associação Americana de Bancos de Tecidos (AATB). A associação
recusou repetidos pedidos de entrevistas gravadas ao longo de quatro
meses. Numa entrevista de contextualização ao ICIJ, na semana
passada, ela informou que a "vasta maioria" dos bancos que
recuperam tecidos tradicionais, como pele e osso, é credenciada pelo
AATB.
Porém, uma análise de bancos credenciados pela AATB e dados
de registro da FDA mostram que apenas cerca de um terço dos bancos
de tecidos que recuperam tecidos tradicionais, como pele e osso, são
credenciados.
A associação diz que
a chance de contaminação em pacientes é baixa. A maioria dos
produtos, diz a AATB, é submetida a radiação e esterilização,
tornando-os mais seguros do que, digamos, órgãos transplantados
para outro ser humano.
"O tecido é
seguro. É extremamente seguro", disse um executivo da AATB.
Há poucos dados,
porém, que apoiem as afirmações do setor.
Diferentemente de
outros produtos biológicos regulados pelo FDA, explicam funcionários
da agência, as empresas que fabricam produtos médicos usando
tecidos humanos são obrigadas a relatar apenas os efeitos adversos
mais graves descobertos. Isso significa que, caso surjam problemas,
não há garantia de que as autoridades sejam alertadas.
Como os médicos não
são obrigados a informar aos pacientes que estão recebendo de
tecidos de um cadáver, muitos pacientes não podem associar qualquer
infecção posterior ao transplante.
Sobre esse ponto, a
indústria diz que é capaz de rastrear os produtos dos doadores até
os médicos, usando seus próprios sistemas de codificação, e que
muitos hospitais têm sistemas para acompanhar os tecidos depois de
serem implantados.
Mas nenhum sistema
centralizado regional ou global assegura que os produtos possam ser
acompanhados do doador ao doente.
"Provavelmente,
muito poucas pessoas se infectam, mas nós realmente não sabemos
porque não temos vigilância e um sistema para detectar eventos
adversos", disse Kuehnert, do CDC.
O FDA recolheu mais de
60 mil derivados de tecido entre 1994 e meados de 2007.
O recall mais famoso
ocorreu em 2005. Tratava-se de uma empresa chamada Biomedical Tissue
Services, dirigida pelo ex-cirurgião dentista Michael Mastromarino.
Mastromarino recebia
boa parte de suas matérias-primas de funerárias em Nova York e na
Pensilvânia. Ele pagava até US$ 1.000 por órgão, segundo os
registros judiciais.
Sua empresa retirava
ossos, pele e outras partes utilizáveis e depois entregava os corpos
às famílias. Sem saber o que aconteceu, os parentes enterravam ou
cremavam as provas.
Um dos mais de mil
corpos desmembrados foi o do famoso apresentador da emissora BBC
Alistair Cooke.
Produtos feitos com
restos humanos roubados foram enviados para Canadá, Turquia, Coreia
do Sul, Suíça e Austrália. Mais de 800 desses produtos nunca foram
localizados.
Mais tarde, um
tribunal descobriu que alguns dos doadores de tecidos haviam morrido
de câncer e que nenhum deles tinha sido testado para detectar
doenças como HIV e hepatite.
Mastromarino
falsificou registros de doadores, mentindo sobre as causas de morte e
outros detalhes. Ele vendia pele e outros tecidos a várias empresas
norte-americanas de processamento de tecidos, incluindo a RTI.
"Desde o primeiro
dia, foi tudo forjado; tudo, porque podíamos. Enquanto a papelada
parecesse boa, tudo bem", disse Mastromarino, que cumpre pena de
prisão de 25 a 58 anos por roubo, conspiração e abuso de
cadáveres.
XERIFE GLOBAL
Cada país tem suas
próprias regras para usar produtos fabricados a partir de tecido
humano, frequentemente com base em leis originalmente destinadas a
lidar com sangue ou órgãos.
Na prática, no
entanto, como os EUA atendem a cerca de dois terços das necessidades
globais de produtos feitos com tecidos humanos, a FDA (Food and Drug
Administration) efetivamente foi deixada como a xerife de grande
parte do planeta.
Empresas estrangeiras
de tecidos humanos que desejem exportar para os EUA devem se
registrar na FDA.
No entanto, das 340
empresas estrangeiras de tecidos registradas na FDA, apenas cerca de
7% têm registro de inspeção no banco de dados da agência, segundo
análise do ICIJ. A FDA nunca fechou nenhuma por suspeita de
atividades ilícitas.
Os dados também
mostram que cerca de 35% dos ativos dos bancos de tecidos registrados
nos EUA não têm nenhum registro de inspeção no banco de dados da
FDA.
"Quando a FDA
registra você, só é preciso preencher um formulário e esperar uma
inspeção", disse Duke Kasprisin, diretor médico de sete
bancos de tecidos nos EUA. "No primeiro ano ou dois, você pode
funcionar sem ninguém olhar para você." Isto é reforçado
pelos dados, segundo os quais um banco de tecidos típico opera por
quase dois anos antes de sua primeira inspeção da FDA.
"O problema é
que não há supervisão. A FDA só exige que você tenha registro",
disse Craig Allred, advogado anteriormente envolvido em litígios
contra aindústria. "Ninguém vê o que acontece." A FDA e
a indústria "apontam o dedo um para o outro".
No entanto, na Coreia
do Sul, o mercado de cirurgia plástica usa a supervisão da FDA como
marketing.
No centro de Seul,
capital do país, a Tiara Cirurgia Plástica explica que os produtos
feitos com tecidos humanos "são aprovados pela FDA" e são,
portanto, seguros.
Alguns centros médicos
anunciam "AlloDerm aprovado pelo FDA" --um enxerto de pele
feito com cadáveres doados nos EUA-- para cirurgias no nariz.
Le Do-han, o
encarregado do tecido humano na FDA sul-coreana, disse que o país
importa 90% das suas necessidades de tecido humano.
O tecido cru é
enviado a partir dos EUA e da Alemanha. Uma vez processado, muitas
vezes é reexportado para o México como produtos manufaturados.
Apesar dos movimentos
complicados de ida e vinda, Le Do-han reconhece que na prática não
houve fiscalização adequada.
"É como colocar
etiquetas na carne, mas eu nem sei se isso é possível para os
tecidos humanos porque há muitos chegando."
EM EQUIPE
Em relatórios à
Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), a empresa de capital
aberto RTI permite vislumbrar o tamanho da empresa e seu alcance
global.
Em 2011, a empresa
fabricou entre 500 mil e 600 mi implantes e lançou 19 novos tipos de
produtos para medicina esportiva, ortopedia e outras áreas. Dos
implantes da empresa, 90% são feitos a partir de tecido humano,
enquanto 10% vêm de vacas e porcos transformados em sua fábrica
alemã.
A RTI exige que seus
fornecedores de partes do corpo humano nos EUA e outros países sigam
as regras da FDA, mas a empresa reconhece que não há garantias.
Em documentos enviados
à SEC em 2011, a RTI disse que "não pode garantir" que
"os nossos fornecedores de tecido cumprem os regulamentos
destinados a prevenir a transmissão de doenças contagiosas"
ou, "ainda que sejam cumpridos, que nossos implantes não foram
ou não serão associado à transmissão da doença".
Como muitas das
empresas de tecidos atualmente com fins lucrativos um dia foram sem
fins lucrativos, a RTI surgiu do Banco de Tecidos da Universidade da
Flórida, sem fins lucrativos, em 1998.
Documentos internos da
Tutogen, uma empresa alemã de produtos médicos, mostram que ela fez
parceria com a RTI no início de setembro de 1999 para ajudar ambas
as empresas a satisfazer suas necessidades crescentes de
matéria-prima adquirindo tecido humano na Europa Oriental.
As duas empresas
adquiriram tecidos a partir da República Tcheca. A Tutogen
separadamente obteve tecidos em Estônia, Hungria, Rússia, Letônia,
Ucrânia e mais tarde na Eslováquia, segundo os documentos.
Em 2002, a imprensa
tcheca publicou denúncias de que o fornecedor local da RTI e da
Tutogen obtinha tecidos indevidamente. Não se sugeriu que a Tutogen,
a RTI ou seus funcionários tenham feito algo impróprio.
Em março de 2003, a
polícia da Letônia investigou se o fornecedor local da Tutogen
havia removido tecidos de cerca de 400 corpos num instituto médico
legal sem autorização.
Madeira e panos,
substituindo músculos e ossos, foram inseridos nos cadáveres para
fazer parecer que estavam intocados antes do enterro, segundo a
imprensa local.
A polícia acabou
denunciando três funcionários do fornecedor, mas rejeitou mais
tarde as acusações, quando um tribunal decidiu que não era
necessário o consentimento das famílias dos doadores. Novamente,
não houve sugestão de que a Tutogen agiu de forma inadequada.
Em 2005, a polícia
ucraniana abriu a primeira de uma série de investigações sobre as
atividades dos fornecedores da Tutogen no país. A investigação
inicial não levou a indiciamentos.
A relação entre a
Tutogen e a RTI, entretanto, tornou-se ainda mais próxima no final
de 2007, quando foi anunciada a fusão entre as duas empresas. A
Tutogen passou a ser uma subsidiária da RTI.
Funcionários da RTI
se recusaram a responder ao ICIJ se sabiam das investigações
policiais sobre fornecedores da Tutogen.
DUAS COSTELAS
Em 2008, a polícia
ucraniana abriu nova investigação, verificando acusações de que
mais de mil tecidos por mês eram ilegalmente coletados num instituto
médico forense em Krivoy Rog e enviados, por meio de terceiros, à
Tutogen.
Nataliya Grishenko, a
juíza de instrução do processo, revelou que muitos parentes
disseram ter sido levados a assinar termos de consentimento ou que
suas assinaturas foram forjadas.
O principal suspeito
no caso --um médico ucraniano-- morreu antes de o tribunal chegar a
um veredito. O processo morreu com ele. As autoridades alemãs
fizeram uma declaração isentando a Tutogen de delitos.
A Tutogen "opera
sob regras muito estritas das autoridades alemães e ucranianas, bem
como de outras autoridades reguladoras europeias e americanas",
disse Joseph Dusel, procurador-chefe em Bamberg, Alemanha, ao serviço
de notícias norte-americano Transplant News. "Eles são
inspecionados regularmente por todas essas autoridades em seus anos
de operação; e a Tutogen segue em boas condições com todos eles."
Dezessete fornecedores
ucranianos da Tutogen foram sujeitos a inspeção da FDA. As ações
são anunciadas, segundo o protocolo, com seis a oito semanas de
antecedência.
Apenas um fornecedor
--a BioImplant, de Kiev-- foi reprovado. Entre as conclusões da
inspeção de 2009: nem todos os necrotérios tinham água quente
corrente e alguns procedimentos sanitários não foram seguidos.
Os inspetores da FDA
também encontraram deficiências em importações ucranianas da RTI,
ao visitar as instalações da empresa na Flórida.
A RTI tinha traduções
para o inglês, mas não os originais das autópsias dos seus
doadores ucranianos, descobriram inspetores da FDA numa fiscalização
2010. Frequentemente, eram os únicos documentos médicos que a
empresa usava para saber se o doador era saudável, diz o relatório
da inspeção.
A empresa disse aos
inspetores que era ilegal, segundo a lei ucraniana, copiar a
autópsia. Mas, após a inspeção, ela começou a guardar o
documento original em russo, juntamente com sua tradução em inglês.
Em 2010 e 2011, os
inspetores pediram à RTI que mudasse a forma de rotular suas
importações. A empresa obtinha tecidos ucranianos e enviava à
Tutogen, na Alemanha, para em seguida exportar aos EUA como produto
alemão. Embora a empresa tenha concordado com as mudanças, há
indícios de que ela pode ter continuado a rotular parte do tecido
ucraniano como sendo alemão.
Em fevereiro deste
ano, a polícia flagrou funcionários de um escritório forense em
Mykolaiv Oblast carregando a parte traseira de um micro-ônibus
branco com recipientes de tecidos humanos. A filmagem policial da
apreensão mostra o material trazendo o rótulo "Tutogen. Made
in Germany".
Nesse caso, o serviço
de segurança disse que os funcionários do necrotério enganaram os
parentes dos mortos para que permitissem o que julgavam ser a coleta
de uma pequena quantidade de tecido, aproveitando seu momento de
luto.
Documentos apreendidos
--exames de sangue, um relatório de autópsia e rótulos escritos em
inglês e obtidos pelo ICIJ-- sugerem que os restos mortais estavam a
caminho da Tutogen.
Parte dos fragmentos
de tecido encontrados no ônibus vieram de Oleksandr Frolov, 35, que
tinha morrido de ataque epiléptico.
"No caminho para
o cemitério, quando estávamos no carro fúnebre, notamos que um dos
sapatos escorregou do seu pé, que parecia estar solto", disse
sua mãe, Lubov Frolova, ao ICIJ. "Quando a minha nora tocou seu
pé, ela disse que estava vazio. Mais tarde, a polícia mostrou-lhe
uma lista do que havia sido retirado o corpo do filho.
"Duas costelas,
dois calcanhares de aquiles, dois cotovelos, dois tímpanos, dois
dentes e assim por diante.
Eu não consegui ler até o fim, fiquei
nauseada. Eu não conseguiria ler", disse ela. "Ouvi dizer
que [os tecidos] foram enviados à Alemanha para serem usados em
cirurgias plásticas e também para doação. Não tenho nada contra
a doação, mas isso deve ser feito de acordo com a lei."
Kateryna Rahulina,
cuja mãe, Olha Dynnyk, morreu em setembro de 2011 aos 52 anos,
mostrou documentos do inquérito policial. Os documentos supostamente
conteriam sua aprovação para retirar tecidos do corpo de sua mãe.
"Fiquei em
choque", disse Rahulina. Ela diz nunca ter assinado os papéis,
e era claro para ela que alguém havia forjado sua aprovação.
O departamento de
perícia de Mykolaiv Oblast, onde os supostos incidentes aconteceram,
era, até recentemente, um dos 20 bancos de tecidos ucranianos
registrados pela FDA.
No site da FDA, o
número de telefone de cada um dos bancos de tecidos é o mesmo.
É o número de
telefone da Tutogen na Alemanha.
(KATE WILLSON,
VLAD LAVROV, MARTINA KELLER, THOMAS MAIER e
GERARD RYLE)
Colaboraram MAR
CABRA, ALEXENIA DIMITROVA e NARI KIM.
O Consórcio
Internacional de Jornalistas Investigativos é uma rede independente
global de jornalistas que colaboram em reportagens investigativas
internacionais. Para ver vídeos, gráficos e mais reportagens desta
série, visite http://www.icij.org/.
Esta reportagem foi apurada em colaboração com a National Public
Radio (EUA).
Tradução de MARCELO
SOARES.
Nota: Leia também
esse artigo no site espada do Espírito--
http://www.espada.eti.br/n1055.asp
Cultos extravagantes na Rio+20: o
que tem a ver ambientalismo com religião?
Com frequência neste blog temos focalizado a
existência de uma estranha religião imanente no ambientalismo. E
nos referimos ao ambientalismo que pretende ser o mais coerente com
os princípios básicos do movimento.
Também, com relativa
frequência, tem nos sido perguntado o por quê dessa insistência em
dita religião incubada, ou em questões religiosas. Porque, a
primeira vista, a problemática ambientalista é basicamente
científica.
Compreendemos perfeitamente esta dificuldade e a
olhamos até com simpatia.
Pois, essa dificuldade foi também
a nossa. E, em certo sentido continua sendo.
Tivemos
dificuldade em admitir a ideia de uma religião singular por trás do
ambientalismo mais “genuíno”.
Porém, com o tempo, foi
ficando evidente para nós que o movimento ambientalista só se
compreende bem pressupondo uma crença peculiar que o explica.
Panteismo que amalgama todos os
seres?
A aplicação desta hipótese, revelou-se
ordenadora e, depois, indispensável.
Dizemos que seguimos
tendo dificuldades com essa “religião”, não só porque não a
compartilhamos.
Mas, sobre tudo, porque não conseguimos
abarcar alguns de seus aspectos. Esses parecem ser de tal maneira
profundos e escuros que precisaríamos do talento de um Dante
descrevendo o inferno para formulá-la.
Quiçá um dia
chegaremos, sem o talento de Dante sem dúvida!
Denis Lerrer
Rosenfield, professor de Filosofia na UFRGS, desde seu ponto de
vista, apontou alguns aspectos dessa “religião” verde que não
ousa dizer seu nome abertamente.
Por isso, julgamos de
interesse para nossos leitores avaliar alguns excertos do artigo “O
mal e o capitalismo” da lavra do professor gaúcho, publicado no “O
Estado de S. Paulo”, 02.07.12:
O mal e o capitalismo
Denis Lerrer
Rosenfield, professor de Filosofia na UFRGS
Para que se possa melhor compreender os
atuais debates em torno das questões ambientais, com reflexos na
vida das cidades e do campo, torna-se necessário compreender a
mentalidade dos ambientalistas radicais.
Argumentos
científicos são cada vez mais relegados a segundo plano, embora,
sob a forma do disfarce, esse tipo de ambientalista diz representar
avanços científicos.
O que está, na verdade, em questão é
uma mentalidade teológico-política, em tudo avessa ao
pensamento crítico.
Vejamos os pontos estruturantes dessa
mentalidade: 1) o fim do mundo; 2) os profetas; 3) o mal; e 4) a
salvação. O fim do
mundo — Os ambientalistas radicais ou religiosos —
o que é a mesma coisa — vivem anunciando o fim do mundo. Se
não forem ouvidos ou atendidos, o planeta estará caminhando
inexoravelmente para a catástrofe final. Um dos seus cavalos de
batalha reside no anúncio do “aquecimento global”, que estaria
produzindo resultados que confirmariam suas profecias.
Curioso
nesse caso é que exercem tal influência sobre a opinião pública
que nenhuma contestação é autorizada, principalmente as
científicas. Tornou-se “normal” falar do aquecimento global
planetário como se fosse uma verdade inconteste.
Quem
discorda é anatematizado.
Cientistas que defendem essas
posições, também chamados ecocéticos, têm, mesmo, dificuldades
em publicar seus artigos. Os ecorreligiosos procuram, de todas
as maneiras, fazer valer as suas posições.
Entre outros pontos, assinala que não houve um
aquecimento significativo nos últimos 15 anos e, desde 1995, a
temperatura média global do planeta pouco variou. No entanto, os
anúncios proféticos do aquecimento global não cessam, embora não
exista aquecimento que conduza ao anunciado desastre final.
Profetas
— Nos últimos 150 anos, a temperatura média global
variou entre 0,7 grau e 0,8 grau Celsius, o que invalidaria qualquer
catastrofismo. No entanto, os profetas do fim do mundo continuam
com previsões cada vez mais sombrias.
Essas previsões
são incessantemente desmentidas pelos fatos, porém sempre inventam
novas, com supostos aquecimentos progressivos que tornarão o planeta
inabitável em poucas décadas. Num curto espaço de tempo,
catástrofes naturais tomariam conta do mundo.
Não houve
nenhuma grande catástrofe natural, mas seus anúncios apocalípticos
continuam. A mentalidade religiosa se reveste, contudo, de uma
roupagem científica. Agem religiosamente e procuram lhe conferir
um ar de cientificidade. O
mal — Note-se que essas previsões do desastre final
têm um foco determinado, um objetivo que estrutura sua ação
política: o capitalismo. Ou seja, o fim do mundo é
conseqüência do pecado, do fato de as pessoas viverem e agirem
segundo os valores de uma sociedade baseada na economia de
mercado, no direito de propriedade e no ganho, denominado
pejorativamente de lucro.
Os ecorreligiosos se
estruturam em ONGs nacionais e internacionais respaldadas
militantemente pelos movimentos sociais. Observe-se que estes, por
exemplo, são apoiados, inclusive organizativamente, pela Igreja
Católica e, em menor medida, pela Luterana.
A pobreza franciscana admirável
nos religiosos, se imposta à sociedade em nome do
anticapitalismo vai produzir uma miséria monstruosa
No Brasil, a
CPT e o Cimi verbalizam, mesmo, essa postura profética, advogando
pela eliminação da propriedade privada como o grande mal. O MST e
organizações afins seguem a mesma posição.
A
propriedade privada e a economia de mercado seriam responsáveis pela
pobreza e pelo desastre ambiental.
Uma vez o capitalismo
eliminado, o mal, extirpado, o fim do mundo não se consumaria e
o socialismo/comunismo ocuparia o seu lugar. A catástrofe
ambiental, o apocalipse, seria evitada.
Note-se que símbolos
do mal são o agronegócio e a produção de energia.
As
lutas desses ambientalistas e movimentos sociais se estruturam
segundo essas bandeiras. Na verdade, pretendem aumentar a pobreza
com alimentos mais caros, o que poderia tornar a vida humana
insustentável no planeta.
Querem que se produza menos,
quando há mais bocas no mundo para ser alimentadas. Defendem uma
energia mais cara, combatendo Belo Monte, que oferecerá energia
renovável e barata. Posicionam-se contra as plantações de
cana-de-açúcar e a produção de etanol, outro exemplo de energia
renovável.
Rio+20: moça índigena
"consumista" terá que mudar de estilo de vida
Os ecorreligiosos têm,
também, a versão dos ambientalistas chiques, que adotam
essas posições em nome do politicamente correto. Gostam de aparecer
como corretíssimos, em seus carros poluidores, utilizando celulares
e vivendo em grandes apartamentos e mansões.
Não deveriam
ler jornais nem livros, nem utilizar papéis de qualquer espécie,
pois são feitos de celulose, oriunda de florestas plantadas. Não se
esqueçam de que o agronegócio é símbolo do mal. Salvação
— A salvação está, no entanto, à mão de todos os
que seguirem os profetas. Basta lutar contra o capitalismo,
desrespeitar a propriedade privada, organizar-se militantemente
contra as hidrelétricas, invadir grandes propriedades, pois,
assim, o novo mundo estará ao alcance de todos.
Outro mundo
é possível, eis o lema que é a todo momento realçado. Todos os
habitantes do planeta se deveriam dispor à conversão para a vida
simples e primitiva, aquela que ganha, inclu-sive, a forma
utópica — e falsa — da solidariedade originária.
Abandonem
a civilização e nos sigam: nós somos o caminho, a floresta
originária, o destino.